Qual é a minha cor? Colorismo. É hora de falar sobre.
Olha pra mim. Você me lê como branca, negra, amarela? Quem sabe parda? Se pardo é fruto da miscigenação, então o Brasil inteiro é feito de pardos? Espera um pouco… existe cor parda ou é só cor de papel? Confusa.
Fortuitamente posso ser lida como branca porque minha pele é clara e meus cabelos são mais lisos do que crespos. Ou talvez não haja dúvidas de que eu seja negra, pois passo longe daquela branquitude suprema e é fato que os traços da minha beleza revelam fenótipos de índio e negro.
O fato é que, como muitas pessoas de nacionalidade brasileira, sou branca demais para ser pra ser preta, e preta demais para ser branca. Eu não pensava muito sobre isso, mas vivi a vida inteira nesta fronteira, neste “não lugar”.
E afinal qual minha identidade racial? Ou melhor, qual o causador dessa confusão identitária? A Juliane que se identificava como pessoa parda começa a pensar se não deveria se declarar uma pessoa negra de pele clara.
Nos meus primeiros semestres da faculdade de jornalismo, fiz estágio na produção de um programa de televisão de produção independente. A apresentadora, irreverente no sentido mais fiel da palavra, diante de um vacilo da jovem estagiária, chamou minha atenção de maneira desrespeitosa. Eu reagi, e ela se sentiu afrontada. Perdi o estágio, e nossa conversa acabou com ela me chamando de “negrinha abusada”.
Isso ficou martelando na minha cabeça: “Por que me chamou de negrinha? Por que ela acha que eu sou negrinha?”. A interrogação seguiu…. Desci o morro Santa Teresa a pé, passei no Shopping Praia de Belas pra tomar um sorvete e segui minha vida sem fechar conclusão nenhuma a respeito da minha cor.
Eu não sou a pessoa mais habilitada pra este debate, já que não tem muito tempo que comecei a estudar o tema. Minha cabeça borbulha de interrogações e se me falta letramento, não falta lugar de fala.
Iniciei há pouco meu processo de conscientização, o qual não tive na escola ou na mídia – aliás nenhum de nós teve – mas já compreendi que discutir representatividade num país miscigenado como o Brasil é um baita desafio.
Como é complexo estabelecer um padrão único que dê conta de tudo isso, não é? Mas me deu um clique ao ler o que disse a historiadora e antropóloga Lilia Schwarcz: “Não há como imputar à natureza o que é da ordem da cultura: a humanidade é uma, as culturas é que são plurais”.
Em outras palavras quer dizer que a “passabilidade” do negro de pele clara como branco descortina uma questão mais social que biológica: o colorismo.
E você sabe o que significa colorismo? Se não sabe, tudo certo. Eu também desconhecia até que uma amiga, Thais Reis que é letrada em democracia racial, me apresentar essa questão.
O conceito colorismo, cunhado por Alice Walker em 1982, é usado para diferenciar várias tonalidades da pele negra, do tom mais claro ao tom mais escuro. Essas tonalidades da pele consentem a inclusão ou a exclusão na sociedade, e isso explica a busca pelo branqueamento para alcançar privilégios sociais com mais facilidade. Por exemplo, é mais acessível para uma pessoa de pele mais clara arrumar emprego pela aceitação social que tem, do que é para uma pessoa de pele retinta adentrar alguns recintos.
E dessa maneira, o colorismo impõe uma classificação dos tons de pele como que para tornar a pessoa menos negra, e mais semelhante ao branco, e assim tornar sua vida “mais fácil”.
“Através dele, a sociedade cria válvulas para que o preconceito continue presente nos espaços sociais como: trabalho, locais de lazer e escolas, provocando insegurança, instabilidade e falta de identidade e pertencimento à cultura” (Fonte: Politize!, Laís Melo)
Somente no Brasil existem mais de 40 categorias de cor para camuflar a negritude: pardo, moreno, mulato, café com leite, cor de jambo, marrom bom-bom… e por aí vai. Isso demonstra o quão era (e ou ainda é) “importante” se assemelhar ao branco. As pessoas tinham receio de se identificar e estar no lugar de pessoa negra e assim se eximiam da sua negritude por conta do racismo. Mas claro tudo isso é constructo social muito mais elaborado do que arrisquei sintetizar aqui.
Ler sobre o funcionamento das hierarquias e identidades raciais tem ajudado a organizar minha compreensão a respeito de identidade racial. E mesmo sabendo que colorismo não é um debate sobre afroconveniência, confesso não me sentir confortável a fazer autodeclaração política sobre raça. No fundo, eu sei que se declarar uma coisa não é negar a outra.
Neste ano, pela primeira vez, o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra — celebrado anualmente em 20 de novembro — será feriado nacional.
Ao tornar o Dia da Consciência Negra um feriado, o Brasil dá um passo significativo no reconhecimento das contribuições e da importância da população negra na formação do país. Isso também abre espaço para discussões mais profundas sobre o colorismo, incentivando a sociedade a confrontar e combater essa forma de discriminação que afeta muitas pessoas diariamente.
Deixo aqui dicas de materiais que consumi e outros que estão na lista 😉 E se você quiser me recomendar algum conteúdo, apresentar outro ponto de vista fique à vontade.
Entre Vozes #06 – Colorismo – YouTube (Podcast)
Lilia Schwarcz: Quase pretos, quase brancos: Revista Pesquisa Fapesp https://www.politize.com.br/ Colorismo
Pequeno Manual Antirracista, Djamila Ribeiro (livro)